Marcelo Zuffo e Antonio Carlos Morato analisam a questão sob o ponto de vista mercadológico e jurídico

Recentemente foi aprovada pela Comissão de Indústria, Comércio e Serviços da Câmara dos Deputados uma lei que proíbe a obsolescência programada de produtos. A obsolescência programada é um dos principais problemas que afligem a tecnologia no sistema de consumo e produção que vivemos hoje. Consiste em uma estratégia de fabricação de produtos com uma vida útil intencionalmente limitada, ou seja, para durarem menos do que deveriam. Isso gera inúmeras questões complicadas de resolver, para a sociedade e para o meio ambiente.

O engenheiro eletricista e professor da Escola Politécnica da USP, Marcelo Zuffo, comenta como funciona essa técnica e como ela é aplicada na prática. “Essa estratégia é adotada por fabricantes e indústrias para reduzir intencionalmente a vida útil de um produto, incentivando o consumidor a substituí-lo em menor intervalo de tempo. O exemplo clássico foi a invenção da lâmpada, que teoricamente pode ter um ciclo de vida infinito. Há relatos de lâmpadas que podem funcionar por décadas. E aí, intencionalmente, a indústria desenvolveu lâmpadas que queimam para justamente forçar o consumidor a adquirir novas.”
O professor diz também que existem várias técnicas para conceber a obsolescência programada. Desde utilizar materiais de menor qualidade, desenvolver softwares não atualizados e que deixam o programa mais lento e até mesmo o próprio design do produto pode ser fabricado para ter um ciclo de vida mais curto.
O problema do ponto de vista jurídico

O problema da obsolescência também tem que ser encarado de uma forma jurídica, considerando principalmente os direitos do consumidor. O advogado e professor da Faculdade de Direito da USP, Antonio Carlos Morato explica como a obsolescência programada pode ser definida do ponto de vista jurídico, se afeta o direito do consumidor e se existem regulações para essa prática. “Quando o consumidor adquire um determinado produto, ele tem uma expectativa legítima de que o produto funcione por um tempo razoável. E a obsolescência programada em si é uma técnica, na melhor das hipóteses, que foi desenvolvida pelos empreendedores para que seja possível colocar no mercado diversas versões de um produto, versões atualizadas. Os produtos têm e devem ser atualizados, só que existe um problema, você não pode trocar de celular todo ano, se aquela finalidade de acesso à internet, ou o básico, que seria falar pelo telefone, continuar funcionando.”
Existem, entretanto, motivos positivos para essa técnica ter sido desenvolvida, visando a principalmente evitar o desemprego, visto que, se um produto durasse muito tempo, sua reposição e produção em grande escala não seria necessária, não mais necessitando de trabalhadores. Além disso, o desenvolvimento de atualizações e produtos melhores para os consumidores também é outra razão. “A intenção pode ser a melhor possível, pode ser a de colocar produtos novos à disposição do consumidor, pode ser a de evitar o desemprego, mas, ainda assim, o consumidor é que tem que decidir sobre isso”, comenta o advogado.
“No artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor encontra-se o que se chama de práticas abusivas, e não vai ser encontrado escrito ali, obviamente, obsolescência programada, mas há uma abertura no sistema, um rol de hipóteses que são lá colocadas e podem ser alteradas com o tempo. Por exemplo, a discussão da inteligência artificial, que surge hoje, não existia, por óbvio, em 1990, e mesmo a obsolescência programada começou a ser discutida há uns 15 anos, 20 anos no Brasil, mas o Código de Defesa do Consumidor tem dispositivos específicos e, sobretudo, tem uma principiologia, que orienta o juiz para a decisão mais adequada. Porque a obsolescência programada pode ser considerada como prática abusiva no mercado de consumo brasileiro.”
Impacto ambiental
Além de afetar o Código de Defesa do Consumidor, o maior e mais nocivo impacto dessa prática é no meio ambiente. “A natureza vai suportar uma carga muito maior de resíduos sólidos, de detritos, lixo, que poderia suportar. Nem tudo que é produzido, é reciclável. Um dos pilares dos direitos básicos do consumidor, na verdade, é o que garante o consumo sustentável. Não está explícito no artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, mas se encontra em outros dispositivos, considerando, por exemplo, quando se discute as cláusulas abusivas, a inserção de uma cláusula que permita a violação do meio ambiente”, comenta Morato.
Os problemas causados são diversos: o aumento da quantidade de lixo eletrônico na natureza, esgotamento de recursos naturais para a produção desenfreada de produtos, contaminação do solo e da água por substâncias tóxicas, poluição e descarte inadequado.
Possíveis soluções
“A consciência ambiental das pessoas começa normalmente em meios altamente intelectualizados, como é o caso das universidades, mas hoje esse tema também é abordado pela indústria. Existem fabricantes mais conscientes dessa questão da obsolescência programada, que desenvolvem produtos com ciclos de vida mais longos. Outros aspectos muito importantes são a consciência ambiental do consumidor e políticas públicas governamentais. Esse movimento é muito forte na Europa, onde têm sido criadas políticas públicas para combater esse problema que levam a situações de impacto ambiental muito grande”, afirma Zuffo.
É importante também mencionar técnicas como design sustentável, baseado na produção de produtos modulares, fáceis de reparar e atualizar, economia circular, que reutilizam e reciclam peças para reduzirem resíduos e a utilização de materiais avançados com componentes mais resistentes, recicláveis e biodegradáveis, além de modelos de negócios alternativos, onde empresas podem oferecer serviços, aluguel ou assinaturas, incentivando maior durabilidade e manutenção. Com essas medidas, é viável conciliar inovação tecnológica e sustentabilidade para resolver a obsolescência programada.
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