Célio Bermann alerta que sem políticas industriais e investimento em pesquisa o Brasil continuará dependente de tecnologias ultrapassadas e poluentes

O armazenamento de energia representa um dos principais desafios na transição para fontes renováveis, com as baterias ocupando posição estratégica nesse cenário. As tecnologias atuais de armazenamento, contudo, apresentam diversas limitações que precisam ser superadas, especialmente no que diz respeito à capacidade de armazenamento, segurança e impacto ambiental, o que tem impulsionado a busca por soluções mais avançadas e sustentáveis.
Célio Bermann, do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, comenta que “a questão principal que hoje gira em torno dessas tecnologias é justamente o fato de que, na procura de maior densidade de energia, elas acabam resultando ainda em baterias que já estão sendo comercializadas no mundo e outras que ainda estão em situação de desenvolvimento de protótipo, de forma que elas ainda não alcançaram um estágio além daquele que foi alcançado no mundo laboratorial”.

Estado sólido e de fluxo
Uma das alternativas mais promissoras são as baterias de estado sólido, que substituem os eletrólitos líquidos por sólidos. “Elas oferecem maior segurança, densidade energética e vida útil”, destaca Bermann. Enquanto as atuais baterias de íon-lítio atingem cerca de 300 Wh/kg, protótipos com eletrólitos de sulfeto já alcançam 450 Wh/kg, possibilitando autonomia de até 965 km em veículos elétricos. Além disso, evitam os riscos de superaquecimento e degradação em temperaturas extremas, comuns nas tecnologias atuais.
O professor explica que as baterias de fluxo representam uma tecnologia diferenciada de armazenamento energético, funcionando através de tanques independentes contendo eletrólitos líquidos que são circulados para produção de energia elétrica. Esse sistema se mostra particularmente adequado para aplicações em grande escala, especialmente na integração com redes elétricas convencionais. Sua arquitetura única permite um gerenciamento eficiente dos fluxos de energia, sendo especialmente valiosa para compensar a variabilidade inerente às fontes renováveis intermitentes.
Apesar dos avanços, essas tecnologias ainda esbarram em obstáculos. O custo elevado é um problema, afirma o professor, citando que baterias de íon-lítio já representam 50% do valor de um carro elétrico. Além disso, o desenvolvimento dessas inovações concentra-se em países como Estados Unidos, China e Japão, enquanto no Brasil “não existe um ambiente favorável para que essa tecnologia de ponta possa ser também desenvolvida no País. Essa é uma questão de ordem de política industrial, de possibilidades de se ter, dentro do País, a presença dessas empresas”, explica Bermann.
A substituição de baterias de chumbo-ácido – com vida útil de apenas dois a três anos e alto potencial poluidor – por alternativas mais duráveis é um dos principais benefícios. “Reduziria o descarte inadequado e a degradação ambiental”, ressalta o especialista. No entanto, ele pondera que matérias-primas como o sulfeto, usado em eletrólitos sólidos, “não são renováveis”, exigindo atenção em seu ciclo de vida.
Desafios na implementação em larga escala
Apesar do potencial transformador, a implementação em larga escala dessas tecnologias enfrenta obstáculos significativos. O alto custo de produção e a necessidade de infraestrutura especializada ainda limitam sua adoção massiva. Além disso, a falta de políticas públicas específicas e investimentos em pesquisa e desenvolvimento dificultam a integração dessas soluções no sistema energético nacional.
O professor dá um exemplo: “As baterias de fluxo podem ser utilizadas para equilibrar a demanda de energia e evitar picos de tensão nas redes elétricas. Muitas vezes, picos de tensão, em função da variabilidade na geração, podem provocar apagões, então essas baterias podem ser associadas às redes elétricas de forma estabilizada, evitando um apagão”.
A adoção dessas tecnologias tem o potencial de revolucionar a infraestrutura elétrica brasileira, tornando-a mais resiliente e menos suscetível a falhas. “A energia elétrica brasileira, toda vez que ocorre um problema por manutenção, a capacidade de resiliência ainda é muito pequena, o que fragiliza o nosso sistema. Então, sem dúvida nenhuma, ter uma bateria que possibilita dentro da rede elétrica equilibrar a geração de energia e o pico da demanda é uma tecnologia bastante promissora”, argumenta Bermann.
Jornal da USP no Ar
Jornal da USP no Ar no ar veiculado pela Rede USP de Rádio, de segunda a sexta-feira: 1ª edição das 7h30 às 9h, com apresentação de Roxane Ré, e demais edições às 14h, 15h, 16h40 e às 18h. Em Ribeirão Preto, a edição regional vai ao ar das 12 às 12h30, com apresentação de Mel Vieira e Ferraz Junior. Você pode sintonizar a Rádio USP em São Paulo FM 93.7, em Ribeirão Preto FM 107.9, pela internet em www.jornal.usp.br ou pelo aplicativo do Jornal da USP no celular.