Seria vibe coding o futuro da programação?

Seria vibe coding o futuro da programação?


Imagine o seguinte cenário: você é um desenvolvedor de sistemas de uma empresa de tecnologia que está trabalhando em um complexo novo software para a companhia. No entanto, ao chegar para trabalhar, ao invés de pensar na construção do código, você apenas digita o que precisa e uma inteligência artificial (IA) gera a sequência necessária. A prática descrita já existe e se chama vibe coding, cada vez mais popular entre organizações e devs.

O termo foi cunhado pelo ex-diretor de IA na Tesla e ex-pesquisador da OpenAI, Andrej Karpathy, que descreveu um estilo improvisado e acelerado de programar em parceria com a IA. Desde então, diversas startups como Anysphere, Replit, Cognition e a mais nova unicórnio sueca Lovable surgiram para preencher a busca por soluções que pudessem realizar tal tarefa. A promessa do vibe coding é aumentar a produtividade e otimizar o tempo dos desenvolvedores.

O fenômeno Lovable: quando o vibe coding vira negócio bilionário

Um caso que exemplifica perfeitamente essa revolução é a Lovable, reconhecida atualmente como a empresa de software que cresceu mais rápido na história. Fundada em Estocolmo, Suécia, a Lovable lançou sua plataforma pública em novembro de 2024 e atingiu US$ 100 milhões em receita anual recorrente (ARR) em apenas oito meses — feito que superou recordes anteriores de crescimento, como o da OpenAI e startups como Wiz e Deel, que levaram 18 a 24 meses para alcançar a mesma marca.

A proposta central da Lovable é democratizar o desenvolvimento de software, permitindo que qualquer pessoa — mesmo sem experiência técnica — crie sites e aplicativos do zero apenas conversando com a IA. Em julho de 2025, a plataforma já acumulava mais de 2,3 milhões de usuários ativos e mais de 10 milhões de projetos criados, consolidando o modelo de negócios SaaS com planos de US$ 20 a US$ 100/mês.

Usuários têm desenvolvido desde MVPs e protótipos de startups até produtos finalizados para vendas, como plataformas de gestão, aplicativos de concursos e integrações de IA, reduzindo de meses para horas (ou minutos) todo o ciclo de desenvolvimento.

O método por trás da revolução

Em fevereiro de 2025, Andrej Karpathy definiu o vibe coding como uma abordagem fundamentalmente diferente para a criação de software, onde os desenvolvedores descrevem o que querem em linguagem natural em vez de escrever metodicamente a sintaxe. O processo transforma o desenvolvedor em uma espécie de diretor de arte, enquanto a IA atua como programador.

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Na prática, isso permite que os desenvolvedores se concentrem na ideia e no problema que demanda solução, enquanto a máquina contribui operacionalmente. O humano idealiza e pensa, a IA executa – um marco que possibilita que o tempo de desenvolvimento seja drasticamente reduzido, pavimentando o caminho para experimentação rápida e avanço de novas soluções.

A abordagem já é uma realidade consolidada no mercado: de acordo com informações da Y Combinator, cerca de 25% das startups aceleradas por seu ecossistema utilizam IA para escrever 95% de seus códigos. A metodologia também é adotada em grandes empresas de tecnologia como Google e Microsoft, nas quais entre 20% e 30% dos códigos são escritos por IA.

Os desafios da implementação

No entanto, um estudo recente realizado pela Model Evaluation & Threat Research (METR) mostrou que profissionais mais experientes levam, em média, 19% mais tempo para concluir tarefas. A diferença entre estimativa e realidade se deve, segundo o estudo, à necessidade de rever e corrigir o que foi gerado pela IA.

Para Armando Solar-Lezama, diretor associado e COO do Computer Science and Artificial Intelligence Laboratory (CSail) do MIT, isso ocorre devido ao atual nível das IAs que produzem os códigos. Em casos de programações simples para realizar tarefas do dia a dia ou produzir trechos de códigos, as ferramentas estariam performando bem.

O problema aconteceria na criação de softwares específicos ou ainda em códigos muito extensos. “Esses modelos não têm muita noção de performance. E, mesmo que o código pareça certo, na maioria das vezes ele torna a função mais lenta do que deveria ser”, explica.

Além disso, no atual estágio de reasoning que os modelos possuem, a tarefa de encontrar os bugs fica mais desafiadora, já que o desenvolvedor passa mais tempo tentando compreender o que a máquina criou para poder consertar. A dificuldade acende também um alerta. Para Bruno Telles, COO da BugHunt, empresa especializada em cibersegurança, não compreender de onde vem o problema no software pode criar novas vulnerabilidades para cibercriminosos ou ainda exaltar vulnerabilidades antigas.

“Esses LLMs são treinados com códigos já existentes no mercado e, portanto, vão utilizar o remendo de um produto com outro ou de um código com outro e isso sobe pro ar. Mas muitos desses sistemas têm vulnerabilidades identificadas que os próprios hackers já sabem como acessar”, compartilha.

Telles lembra ainda de uma possível questão conforme o uso do vibe coding avança: a utilização de agentes de IA por outros setores dentro das empresas. Com a facilidade para criar programas de inteligência artificial, com o tempo, funcionários de diversas áreas podem gerar agentes para automatizar suas tarefas sem o conhecimento dos departamentos de TI, criando buracos de segurança ainda maiores.

A necessidade de governança e estratégia

De acordo com Rogério Moreira, gerente executivo sênior do SiDi, é a falta de governança dessas ferramentas que agrava o problema. “Pedir para um agente de código simplesmente fazer um software sem levar em conta o contexto empresarial é como contratar alguém sem que ela passe pelo processo de onboarding”, afirma.

Segundo o executivo, o uso do vibe coding precisa ser integrado com o treinamento dos agentes nos padrões e condutas de cada organização, além de especificar que parte do desenvolvimento aquela IA irá realizar.

Com foco em maior produtização, o SiDi tem utilizado a inteligência artificial (IA) para realizar a parte operacional do desenvolvimento, na execução de testes automáticos e integração, por exemplo. “Acredito que o ideal é você ter agentes específicos fazendo tarefas bem determinadas, assim você reduz o risco e aumenta a observabilidade”, explica.

Essa visão ecoa com a perspectiva de Leonardo Zeferino, diretor de IA e Vibe Coding da OneBrain, que destaca que nem todas as empresas estão maduras o suficiente ou contam com equipes preparadas para incorporar essa lógica de imediato. “A nova cultura demanda referências técnicas sólidas, conhecimento em gestão de produtos digitais e um ecossistema que favoreça o uso estratégico da IA”, explica.

Para Zeferino, mais do que uma ferramenta, o vibe coding representa uma mudança de mentalidade – e, como tal, exige apoio especializado para ser implementado de forma estruturada e eficaz. “Contar com outsourcing qualificado e parceiros que dominem e estejam aptos a difundir o potencial do vibe coding na cultura das organizações é um passo que pode ser um diferencial competitivo para empresas e negócios digitais.”

Além da tecnologia: a importância da estratégia

O especialista da OneBrain ressalta ainda que o sucesso do vibe coding começa antes mesmo da codificação. “Identificar com precisão a dor a ser resolvida é o ponto de partida para que a IA seja bem direcionada e o produto realmente atenda a uma necessidade de mercado. Em seguida, entram os desafios de validação, posicionamento e comunicação da solução.”

Segundo sua análise, o desenvolvimento de soluções é apenas uma etapa dessa jornada disruptiva. É necessário estruturar um plano consistente de crescimento – que envolve estratégia de produto, marketing, estruturação comercial e outros pilares que sustentam a escalabilidade.

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“Dentro de um mercado de tecnologia cada vez mais fragmentado, unir-se a ecossistemas que fornecem as pontes de conexão entre pessoas, estratégias e tecnologia pode ser uma rota central não só para que novas ideias e soluções nasçam – mas para que elas prosperem dentro de um ambiente de negócios competitivo”, complementa.

O futuro da programação

Desde que chegou ao mercado, o vibe coding já trouxe declarações polêmicas à tona, como a do CEO da Nvidia, Jensen Huang, que, em fevereiro do ano passado, afirmou que em breve não seria mais necessário saber programar. Entretanto, no MIT, a prática parece ser a contrária. Segundo Lezama, a instituição tem passado por reavaliações na forma de ensinar, mas a novidade na forma de programar reforça a importância de uma base.

“Acredito que a educação precisará passar pelos estudantes saberem discernir o que se pode fazer com as ferramentas e o que elas ainda não podem fazer. Mas para saber fazer esse reconhecimento, é preciso ter essa base bem forte.”

Atualmente, em seus cursos iniciáticos, o MIT ainda pede que seus alunos aprendam e escrevam grandes modelos de código, realizando testes dentro de sala de aula apenas sobre o assunto. “Nós ensinamos algoritmos que eles nunca vão precisar usar, mas ainda assim os ensina a como pensar”, afirma o pesquisador.

Ainda assim, Lezama concorda em partes com Huang. Segundo ele, o que hoje chamamos de programação não será a mesma atividade daqui a 10 anos. “Em 1960, quando Fortran saiu, a propaganda era de que as pessoas não iam precisar programar mais. E isso parece risível sendo dito nos anos 60, mas eles estavam certos, se você pensar o que era programar naquela época”, explica. Mas acrescenta que a essência do que é o desenvolvimento de software não irá mudar.

A fala ressoa com a de Moreira, que reforça a importância da supervisão da inteligência artificial e o conhecimento geral para fazê-lo. “O trabalho evolui, mas acho importante colocar que critérios de qualidade vão continuar existindo.”

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*Esta reportagem foi uma colaboração das jornalistas Bella Winckler Matrone e Pamela Sousa



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